O circuito Os Caminhos da Sabedoria é um diálogo entre o Budismo e o Cristianismo, e eu fiquei pensando como seria um encontro do monge budista Kobo Daishi de Shikoku no Japão com o monge católico São Francisco de Assis na Itália? ◦ Será que haveria um conflito de poder entre os dois? Uma “briga de cachorro grande”? ◦ o que há em comum entre eles? ◦ qual a sabedoria que cada um deles tem para nos passar? Alguns Caminhos me deixam entusiasmado e, confesso, bastante inspirador, o que para muitos pode ser superconfortável caminhar entre amigos, pra mim este caminho foi arrebatador. Sem exagero! Para tentar explicar como cheguei a esta conclusão, eu vou contar alguns momentos deste caminho, que me inspiraram e me ajudaram a seguir cada vez mais em busca da sabedoria.
Iniciamos o caminho na total ignorância, sem nenhuma noção do que iríamos encontrar, e, caminhando de forma paulatina, pouco a pouco, vamos conhecendo um pouco mais das pessoas que estão a nossa volta, revelamos a nós mesmos, e, a cada dia de passa descobrimos os desafios e as belezas do Caminho que nos propomos a seguir.
Tudo isso, faz nos compreendemos e conquistarmos um pouco mais de sabedoria. O início o caminho foi bem fácil, estrada plana e asfaltada. Caminhei bem tranquilo até chegar ao Templo Budista, onde está sendo construído um Buda enorme que chama a atenção de todas as pessoas que passam a beira da estrada.
Eu estava preocupado com as diferenças de altitude do caminho que vinha pela frente. Na subida necessito de muito fôlego e na descida preciso de usar bastante o joelho. Como eu tenho o ligamento do joelho rompido, pensei: se for difícil demais para mim, eu tenho a possibilidade de terminar o caminho no carro de apoio. Segui caminhando bem rápido pelo acostamento e me distanciei um pouco das pessoas que vinham no grupo logo atrás. Aproveitei o isolamento e pus a me refletir sobre o meu temor e levo a cabo que estava com “sangue nas veias” para encarar todas as dificuldades, seja ela qual fossem me apresentada, por que “a sabedoria não se adquire sem esforço, tem que ser enfrentada e alimentada todos os dias". Passado o trecho de estrada asfaltada, entramos por um caminho tranquilo e silencioso. À minha frente encontro os dois adolescentes do grupo, o Yuri e a Lari caminhando ao lado do Zé, que tem um pouco mais de sessenta anos.
Por um momento, imaginei a presença dos discípulos vivendo na companhia do mestre, absorvendo a sabedoria dos seus ensinamentos. Ao final do dia, um pouco antes de chegar na casa onde ficaríamos hospedados, passamos por uma ponte de um rio e não resisti, fui logo tomar um delicioso banho de cachoeira que serviu para relaxar, recuperar os músculos, energizar o corpo e purificar a alma.
Uma casa muito simples de um casal com muita sabedoria. A esposa Sandra acolhe os hóspedes com alegria preparando as refeições, enquanto o seu marido discreto, de poucas palavras, oferece uma atenção especial aos peregrinos e a ajudava nos afazeres da cozinha. No dia seguinte, nos despedimos do casal e seguimos o caminho em busca de mais um dia de sabedoria. Dava-se início a um longo trecho de subida íngreme, bem propício para quem gosta de caminhar em montanhas e possui um pouco de experiência. A estrada estava vazia, sem movimento, apenas algumas máquinas agrícolas cruzaram o nosso caminho para realizar o trabalho no campo. O Edmar Colibri, organizador do caminho, fazia o nosso apoio e parava o carro a cada cinco quilômetros para nos fornecer água e frutas. O sol apareceu forte, justamente por um trecho que não havia sombras. Depois que atingimos o pico da montanha, seguiu-se uma descida que parecia não ter fim e comecei a sentir calor e sede. Eu tinha pouca água, e a que tinha já estava quente, e morrendo de sede parecia que o carro de apoio estava cada vez mais distante. Encontrei uma sombra, parei e olhei para trás e avistei o guia que vinha se aproximando e esperei. Assim que ele chegou falei:
— Cara, estou morrendo de sede, onde está o carro de apoio? — Ele deve estar um pouco mais abaixo, é que este trecho não tem uma árvore com uma sombra boa para parar o carro e esperar o grupo. O guia me deu um pouco da sua água que estava ainda gelada e tomamos de volta o caminho.
E realmente, depois de cinco minutos encontramos o Edmar com o carro de apoio parado embaixo de uma sombra nos esperando com frutas, uma água bem refrescante, lanche e me surpreendeu com um prato com diversos tipos de queijos. E como eu sou viciado em queijo, ao encontrar uma surpresa com esta, de forma inesperada, foi como um sedento encontrar um oásis no deserto.
De energia recuperada segui o caminho. Logo que passei por uma igreja evangélica encontrei o guia parado esperando o grupo em uma bifurcação, a fim de evitar que o pessoal pegasse a direção errada. Ele avisou que o caminho seguiria à frente, mas quem quisesse ir degustar os vinhos da casa e conhecer a vinícola deveria seguir para a direita. Eu vendo a minha frente as duas amigas Celi e Maria, resolvi segui-las e acompanhá-las até a vinícola. Fomos os três; a distância era curta, não mais de um quilômetro, no entanto com uma descida e uma subida bem íngreme até a entrada da Vinícola. Quando chegamos demos com a porta na cara, era domingo e o proprietário resolveu não abrir a vinícola. E gritei para o guia: — A vinícola está fechada! — Voltem! — gritou o guia. — É para voltar pelo mesmo caminho? — Sim! Por aí deve ter um gato! — gritou o guia. Eu falei para as duas amigas: — Temos que voltar! Vamos! Eu ouvi o guia dizer que por aqui tem um gato. — Um gato? Perguntou a Maria. — Sim, foi o que ele disse, acredito que deve ser um atalho. Vamos seguir por este caminho a esquerda da Vinícola, está parecendo que vai cortar caminho e vai nos levar a frente de onde eles estão, assim nós não precisamos voltar e pegar aquela subida até eles. Sem pensar duas vezes, seguimos o atalho, eu até achei um pouco estranho porque esse caminho subia, no entanto, eu conseguia ver de lá do alto o caminho que eles deveriam seguir. Depois de caminhar por mais de um quilômetro, encontrei uma casa de apoio dos agricultores e decidi ficar por lá descansando à sombra esperando por eles ou pelo carro de apoio. O tempo passa e percebo que eles estão demorando, quando de repente eu avisto o carro de apoio passando na estrada logo abaixo de onde estávamos, e disse: — Olhem o carro de apoio passando na estrada lá embaixo! Eu vou até lá, ele deve estar nos procurando! Quando chego na bifurcação, não encontro o carro de apoio, mas vejo o sinal do Caminho da Sabedoria, e gritei: — Meninas, venham! Este é o caminho! Vejam a placa! Esta é a direção que devemos seguir! Vamos lá! E seguimos caminhando por uma subida que parecia não ter fim. — Vamos em frente! Força que logo encontraremos o carro de apoio, ele deve estar parado esperando o grupo lá no alto da montanha. Chegamos ao topo da montanha e nada de encontrar o carro de apoio. E pensei comigo: pelo tempo que fiquei parado esperando pelo grupo, deveríamos estar atrás deles. Nesse caso, temos que caminhar cada vez mais rápido com o objetivo alcançá-los ou quem sabe o carro de apoio que, na minha cabeça, estaria logo a frente. Cansados, ao encontrar uma Igreja católica, paramos para conhecer e resolvemos descansar. Deitei no banco da igreja e comecei a refletir: • Será que grupo está atrás da gente? • Será que o carro de apoio foi até a pousada para descarregar as mochilas e logo vai voltar? • Será que é melhor ficar esperando por eles aqui na igreja? E comecei a me dar conta de que deveríamos estar à frente do grupo. — Meninas, vamos ficar descansando aqui na igreja até que alguém do grupo ou o carro de apoio passe por nós. E logo apareceram dois amigos do grupo, e foi quando ficamos sabendo do que tinha acontecido com eles desde da hora que desgrudamos do grupo. O grupo havia ficado esperando a gente voltar pelo mesmo caminho na bifurcação da Vinícola. Diante da nossa demora, o guia foi até a vinícola e não nos encontrou, procurou por todo os lados e não viu nenhum sinal ou rastro que tivéssemos deixado. Ainda assim, esperaram-nos por uma hora pelo nosso retorno, como não demos as caras, decidiram seguir o caminho da sabedoria sem saber o que tinha acontecido com a gente. O guia, bem responsável e preocupado com o nosso sumiço do caminho da sabedoria, pensava, com razão, que tivéssemos pegado um caminho errado e que estivéssemos totalmente perdidos. Quando eu soube de tudo isto, me senti muito mal, fiquei arrasado, triste por não ter voltado pelo mesmo caminho para encontrar o grupo. Estava envergonhado, sabia que tinha feito algo errado, pensando apenas no meu conforto e prazer, me esquecendo do grupo. Ao encontrar com o guia, como era de se esperar, ele estava bravo e nervoso. E fui tentar acalmá-lo, pedir-lhe desculpas e reconhecer o meu erro. Eu me sentia culpado, com o coração apertado, deveria ter voltado pelo mesmo trecho e não ter pego um “gato” do caminho. Na etapa final, segui caminhando sozinho e recolhendo ao meu interior, meditando e refletindo sobre todo o aprendizado que tive no Caminho da Sabedoria. E fui me perguntando: ◦ Fui ousado procurando alternativas e atalhos para seguir o caminho? ◦ Fui orgulhoso, pensando só no meu prazer ao cortar um trecho caminho e esquecendo do grupo? ◦ Fui teimoso e desobediente às instruções do guia de não caminhar à frente? De que adianta pegar um atalho e se perder pelo caminho e ficar parado no tempo aguardando que apareça um sinal. Às vezes, o melhor que temos a fazer é dar um passo a trás, é melhor recolher-se um pouco, voltar atrás para recomeçar, do que sair pelo caminho sem saber a direção que está seguindo. Seguir os Caminhos da Sabedoria não é uma tarefa fácil, temos que agir com prudência, estudar muito, aprender as regras e seguir as instruções dos mestres. É preciso viver a experiência do Caminho para adquirir a sabedoria, quando refletimos sobre tudo que acontece à nossa volta e começamos a considerar as dificuldades como oportunidades de crescimento, aprendemos que onde há sabedoria há um rastro de Deus. Encerramos o caminho em uma bela pousada, onde compartilhamos com os amigos uma deliciosa refeição, bebemos, nos divertimos e demos muita risada, comemorando a passagem do novo ano. Para mim, foi um grande aprendizado a experiência de percorrer “O circuito Caminhos da Sabedoria”: O caminho inicia-se na Igreja São Marcos, passamos pelo mosteiro budista, o Mosteiro Zen do Morro da Vargem, diversas capelas, igrejas católicas e evangélicas e finalizamos no Santuário de Nossa Senhora da Saúde em Ibiraçu. Aprendi que viver o caminho faz parte do aprendizado da busca da sabedoria, e o único diálogo que deve haver entre o Budismo e o Cristianismo, entre os devotos de Cristo e de Buda que é a verdadeira devoção e qualidade comum a todos seres humanos, que é compartilhar o amor à natureza humana. O que eu pretendo com este relato é contar os aprendizados que tive no caminho e compartilhar com o máximo de pessoas, para que eu possa inspirá-las a também escreverem as suas próprias experiências. Vamos lá? Bom Caminho! Bom caminho para sua Vida! Um grande abraço! Paulo Bertechini Obs: O “Caminhos da Sabedoria” é um circuito de peregrinação espiritual marcado por igrejas, capelas e templos, além das belas manifestações da Mata Atlântica. É um percurso para ser feito com espiritualidade, em busca da real sabedoria.
Se quiser participar da próxima edição, recomendo entrar em contato com o Edmar no site do Caminho e click em: http://colibriaventura.com.br/
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